O Hospital Universitário São Francisco de Paula da Católica de Pelotas (HUSFP/UCPel) realizou a primeira cirurgia de Estimulação Cerebral Profunda, no Sul do Rio Grande do Sul. Inédito na região o procedimento é conhecido em inglês como Deep Brain Stimulation (DBS). Trata-se de uma alternativa, em alguns casos específicos, para o tratamento de pessoas que sofrem de Parkinson, doença neurodegenerativa que entre outras limitações afeta a capacidade motora dos pacientes de modo progressivo.
O paciente é um homem, de 57 anos, morador da zona rural de Pelotas, que após o procedimento obteve melhora no controle motor, com o aumento do intervalo da medicação (de 2h em 2h antes da cirurgia, para até de 8h em 8h), diminuição drástica de tremores, da rigidez e da lentidão dos movimentos impostas pela doença. “A recuperação está excelente, com significativo ganho na qualidade de vida", avalia o professor da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e neurocirurgião Vinícius Guedes, que acompanha o enfermo há 3 anos.
Além da incapacitação física, pessoas acometidas por Parkinson precisam lidar com estigmas sociais e outros sofrimentos que acabam por favorecer novas doenças, como a depressão, já potencializada nesses pacientes pelo comprometimento da produção de dopamina, substancia associada entre outras funções à regulação de estresse e de humor. “Não saem mais de casa, não conseguem trabalhar e com o passar dos anos precisam ser medicados em intervalos cada vez menores, como era o caso desse senhor", explica o docente e neurocirurgião.
A principal forma de tratamento da doença se dá pelo uso de medicamentos, mas a longo prazo essa alternativa pode deixar de fornecer o efeito esperado, ou mesmo resultar em complicações motoras, como movimentos anormais (cinesias) e agravamento dos sintomas mesmo diante de ajustes na medicação. Nesses casos, a intervenção cirúrgica pode ser uma alternativa para melhorar a qualidade de vida do paciente. Apesar de ser um tratamento bastante atrativo não é recomendado indiscriminadamente. Para que a cirurgia seja bem sucedida e os riscos minimizados é fundamental a seleção criteriosa dos pacientes.
A cirurgia, de alta complexidade e exigente em precisão, é realizada com o paciente acordado e anestesia localizada. O neurocirurgião Athaualpa Cauê Strapasson, que veio de Cuiabá para acompanhar o procedimento, explica que ocorre a implantação de um ou dois eletrodos no cérebro do enfermo, que geram um campo magnético que vai provocar a redução da atividade cerebral de áreas hiperativas na doença de Parkinson, promovendo a melhora dos sintomas. “Os eletrodos são implantados bilateralmente, existe um cabo que vai por baixo da pele até um gerador semelhante a um marcapasso e que normalmente fica localizado na região do tórax", detalha Strapasson.
É importante salientar que não se trata de cura. “A cirurgia não vai mudar a história natural da doença. O que se promove é alívio sintomático. A vantagem é que assim como ocorre com a medicação se consegue fazer ajustes ao longo do tempo. Os ganhos são na rigidez, na lentidão de movimentos e no tremor, que são os sintomas principais", explica.
A cirurgia também não substitui o tratamento com medicamentos, que tendem a ter a dosagem reduzida com o procedimento. “Do ponto de vista individual o que o paciente vai ganhar é o melhor bem estar proporcionado quando o remédio funciona bem. Já estatisticamente trabalhos mostram melhora de 50% a 70% na motricidade e na qualidade de vida." Em termos de tempo que a pessoa consegue se movimentar melhor, o ganho é de quatro a cinco horas a mais por dia. “Isso é significativo para um paciente que está bastante limitado como é o caso dos que se enquadram no perfil indicado para o tratamento cirúrgico", avalia.
Importância acadêmica
Na noite anterior à cirurgia, uma aula detalhada sobre o procedimento foi ministrada pelo professor e neurocirurgião Vinícius Guedes para os alunos do curso de Medicina da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), no Centro Acadêmico localizado junto ao Hospital Universitário São Francisco de Paula da Católica de Pelotas (HUSFP/UCPel). “´É um marco importante para a neurocirurgia da cidade e da região. Para os alunos é uma grande oportunidade essa vivência com novas terapias e tecnologias que muitas vezes ficam restritas a grandes centros", avaliou Guedes. O docente também enfatizou o empenho tanto da UCPel como do HUSFP para montagem de toda a estrutura e dos meios humanos e tecnológicos necessários para a realização da cirurgia inédita.
“A formação se complementa no intuito acadêmico, no aspecto de propagar a terapia e saber que essas tecnologias podem ser empregadas para auxiliar na qualidade de vida dos pacientes e na melhora significativa dos sintomas", disse.
A acadêmica de Medicina, Luiza Cardoso, se mostrou entusiasmada ao acompanhar o procedimento inédito. “Já no momento da cirurgia se pode ver a mudança dos sintomas do paciente. Que a partir de agora outras pessoas tenham a oportunidade de acessar esse tratamento e que outros alunos como nós possam acompanhar, pois na vida acadêmica faz total diferença participar de coisas que estão além da rotina", opinou.
Outro acadêmico de Medicina a acompanhar in loco o procedimento, Guilherme Pitol fez coro à importância do feito para os estudantes. “Cirurgia altamente complexa, mas que a gente conseguiu trazer aqui para o nosso hospital. Como aluno é empolgante poder fazer parte de uma cirurgia desse porte, que apenas residentes de centros maiores conseguiriam ter acesso", comemorou.