Fotos: Sabrina Silveira- Studio Luz
Com tão pouco tempo de vida, gêmeos que dividem a mesma placenta vão passar por um procedimento delicado.
Os dois meninos, filhos de Katiuscia Motta, psicóloga de 30 anos, enfrentam um problema em suas 25 semanas de gestação. O crescimento dos gêmeos está diferente, um está evoluindo mais que o outro. E para que essa gestação possa ser seguida de forma tranquila e que Katiuscia possa, em breve, estar com os dois em seus braços, foi necessária uma intervenção cirúrgica inédita no Hospital Universitário São Francisco de Paula (HUSFP) e no estado do Rio Grande do Sul.
No último sábado, dia 28, por volta de 10h40 da manhã, se deu início a Fetoscopia, associada a cirurgia feita por laser, que durou cerca de 1h30. Esse procedimento, considerado de alto risco, foi feito pela primeira vez em Pelotas. “A mãe estava ciente dos riscos para ela e para os bebês, porém ela não desistiu e aceitou passar pela cirurgia pensando nos gêmeos”, comenta Dra. Tatiane Bilhalva.
A patologia é fundamentalmente uma discrepância no crescimento dos fetos. Pode ser chamada de Síndrome de Restrição Seletiva de um dos fetos, ou Síndrome Feto Fetal. O procedimento ocorreu, basicamente, da seguinte forma: um fetoscópio foi inserido pelo abdômen de Katiuscia, sendo introduzido até a placenta para que a sua vascularização fosse alterada, fazendo com que os bebês permaneçam ligados a mesma placenta, mas com dependências individualizadas. Já que um dos gêmeos, por receber mais sangue, entre outros elementos, corria riscos cardíacos, e o que gêmeo que recebia os elementos em menor quantidade, sofria com crescimento menor.
Devido a um caso extremamente difícil e raro, um especialista no assunto veio de São Paulo para realizar o procedimento, em conjunto com a equipe do Hospital São Francisco de Paula. Veio até o HU o Dr. Mauricio Saito, um dos precursores da medicina fetal no Brasil. Dr. Maurício é graduado em medicina pela Faculdade de Ciências Médicas Santos (UNILUS), responsável pelo setor de Medicina Fetal da disciplina de Tocoginecologia II da Faculdade de Ciências Médicas de Santos, Mestre em Ciências e Saúde da UNILUS, responsável pelo departamento de cirurgia fetal do Hospital da Luz, e membro titular da Academia Brasileira de Ultrassonografia.
A mãe descobriu a patologia com 21 semanas de gestação, após muitos exames. “Pós-diagnóstico, essa mãe foi avaliada melhor, tanto aqui como em outros hospitais. O caso foi discutido pelos profissionais, e acabamos internando Katiuscia no HU para se viabilizar essa cirurgia aqui, já que possuímos uma logística e estrutura melhor, devido a UTI Neonatal e Semi-intensiva e por ser referência na área materno-infantil de alto risco”, salientou Dra. Tatiane.
O objetivo da cirurgia era fazer com que se desse viabilidade para a gestação continuar. “Se o procedimento não fosse realizado, o fator de mortalidade desses bebês seria de 80/90%”, salientou Dr. Maurício Saito.
Antes do procedimento a mãe falou sobre sua expectativa: “Quero que o desfecho seja o melhor possível, que tudo aconteça maravilhosamente bem. Estou muito agradecida por ter vindo para o HU. A equipe foi incansável comigo”, comentou Katiuscia.
Fizeram parte da equipe: Dr. Mauricio Saito (Membro Titular da Academia Brasileira de Ultrassonografia); Dra. Tatiane Bilhalva Fogaça (Ginecologista e Obstetra, com área de atuação em medicina fetal o HU); Dra. Guadalupe Bertoli Nascimento (Ginecologista e Obstetra, com área de atuação em medicina fetal no HU); e Dra. Francine Machado (Chefe do Núcleo Materno Infantil do HUSFP).
Foram selecionados alunos e residentes para acompanhar o procedimento, além de o procedimento ter sido gravado e registrado, devido ao seu cunho acadêmico e a importância do mesmo para o HU e para a UCPel. “A cirurgia foi uma grande conquista. Um ganho para a cidade de Pelotas, região sul e universidades. Mostrou que podemos e temos condições para agora, e talvez, no futuro, dar continuidade a esse processo”, salientou Dra. Tatiane Bilhalva.
O procedimento não é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), porém o Hospital São Francisco de Paula e a Universidad Católica de Pelotas foram responsáveis por proporcionar essa cirurgia para Katiuscia, contando com o apoio da Associação Médica de Pelotas (AMP) e do Laboratório Antonello, além do apoio acadêmico da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). O Dr. Maurício Saito abriu mão de seus honorários para realizar o procedimento. O custo de uma cirurgia como essa é de cerca de R$ 100 mil. “No Brasil foram feitas cerca de 40 cirurgias desse padrão”, segundo Dr. Maurício Saito.
“É um ganho enorme, um ensinamento enorme para todos nós. É uma honra trazer o Dr. Maurício. Para nossa parte acadêmica, para nossos residentes, para nossos alunos, e sobretudo, para paciente que provavelmente não teria condições de acesso a essa cirurgia se a Dra. Guadalupe e a Dra. Tatiane não disponibilizassem a vinda do Dr. Maurício e o Hospital não mediu esforços para que isso tudo acontecesse”, comenta Dra. Francine Machado.
Após a conclusão do procedimento a equipe médica passou a seguinte informação: “Foi um tanto quanto difícil como já imaginávamos, mas conseguimos alcançar o objetivo que era a ablação dos vasos que estavam ocasionando a patologia. Agora, necessitamos acompanhar para ver a evolução. Esperamos que após o procedimento, a gestação siga com o desenvolvimento adequado para ambos os fetos postergando o tempo intra-útero”.
Katiuscia, que já é mãe do Gabriel, de 10 anos, e do Arthur de 4, agora está à espera de Theo e Pedro. A equipe do Hospital São Francisco de Paula irá acompanhar a gestação até o final, e durante a semana, ela permanecerá internada para que ela e os gêmeos sejam reavaliados. Todos do Hospital São Francisco desejam muita luz e saúde para essa família.